Quando se fala em uma prova de 24 horas, é fácil imaginar o desgaste físico, a mente sendo testada e o corpo tentando encontrar energia onde quase não existe mais. Mas a pergunta que realmente importa é: como esses atletas conseguem se manter em movimento por tanto tempo? Um estudo publicado na Frontiers in Physiology analisou 18 corredores amadores em uma prova contínua de 24 horas na Escócia para entender, de forma muito prática, como eles se alimentavam antes e durante o evento e o que isso significava para o desempenho.
Os resultados revelaram um padrão que se repete nas ultramaratonas: esses atletas consomem menos carboidrato do que o ideal, tanto nos dias que antecedem a prova quanto durante o próprio evento. Nas 48 horas anteriores, a ingestão média foi de cerca de 4 g por quilo por dia de carboidratos, abaixo do recomendado para maximizar estoques de glicogênio. Já durante a corrida, o consumo ficou em torno de 33 gramas por hora, valor também inferior às diretrizes atuais, que sugerem quantidades maiores e o uso de carboidratos de múltiplos transportadores para facilitar a absorção e reduzir desconfortos.
Mesmo com essa ingestão insuficiente, um dado importante chamou atenção. Atletas que consumiram mais carboidrato antes da prova e nas horas que antecederam a largada percorreram distâncias maiores. Isso reforça o papel decisivo da preparação nutricional, mostrando que o desempenho não depende só do que acontece durante a corrida, mas também do quanto o atleta chega carregado energeticamente para o início do esforço. Embora a ingestão durante a prova também tenha mostrado uma tendência positiva, ela permaneceu muito abaixo do ideal, em parte pela dificuldade prática de comer em movimento e pelos sintomas gastrointestinais que surgem ao longo das horas.
Náuseas, perda de apetite, estômago cheio e desconforto foram relatados com frequência. Esses sintomas dificultam a ingestão contínua de carboidratos e acabam sendo um dos grandes responsáveis pela distância entre o que os atletas deveriam consumir e o que realmente conseguem ingerir. O estudo destaca que treinar o trato gastrointestinal é tão importante quanto treinar o próprio corpo. Acostumar-se à ingestão frequente de carboidratos é uma habilidade que precisa ser desenvolvida nos treinos longos, e não improvisada no dia da prova.
No fim, os autores reforçam que existe uma lacuna significativa entre as recomendações nutricionais e a prática real dos atletas de ultra-endurance. Melhorar estratégias de educação nutricional, ajustar escolhas de alimentos e treinar o intestino para tolerar maior ingestão podem ser passos fundamentais para que corredores consigam consumir mais carboidratos e, potencialmente, melhorar seu desempenho. Para quem encara horas e horas de movimento contínuo, a nutrição não é detalhe. É uma das poucas coisas que realmente sustenta o corpo quando o limite chega perto.